terça-feira, 26 de julho de 2022

Enquadrado 


Deve ter sido o olhar do mar

Que marejou teus olhos

 

Deve ter sido o vendaval

O que me vendou

 

O temporal que nos arrancou o tempo

O lodaçal, o que nos enlutou

 

Deve ter sido uma coisinha de nada

Ou quem sabe então um nada demais

 

Nossa língua viva, nossas rôtas rotas

Deve ter sido o nosso deve ser

 

A dar esses tons de amarelo grave

De azul profundo a esmaecer

Sem o que, nesse etéreo quadro,

Em que me varo, crivado

Não poderia ver

 

Teu sorriso espelhando o meu

O teu cheiro me espalhando o chão

 

Talvez não valesse o que me valeu

Talvez não ardesse o que se incendeia

No que de mim será sempre o sempre seu.

 

segunda-feira, 6 de junho de 2022

 Sobremesa


Sobre a mesa

o olhar pausado

o cansaço esparramado


E sobre tudo,

réstia, luz do dia

teimosia cega

brilho inútil, fôrma de poesia


Absorto, mordo

um tolo grão de areia

e a alma verde encerra,

entre os dentes, o chão


Mastigo lâmpadas, tapetes

Sobretudo a sobremesa,

o açúcar amargo,

a desvontade de viver.